Tema que desperta dúvidas, a questão é especialmente relevante porque, dependendo da forma como se realize a transferência, pode haver impacto tributário perante o Imposto de Renda em relação ao espólio da pessoa falecida, por ocasião da transmissão de bem imóvel havido por herança.
Com a morte, considera-se aberta a sucessão, isto é, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Contudo, faz-se necessária a realização de inventário, seja por escritura pública (via extrajudicial), seja pela via judicial.
Ultimado o inventário, os bens devem ser igualmente transferidos perante o Imposto de Renda. É certo que o valor a ser atribuído independe da avaliação adotada para efeito de partilha ou de recolhimento do imposto de transmissão (ITCMD). Em outras palavras: um imóvel avaliado em inventário por um milhão de reais, mas tributado em um milhão e meio para efeito do imposto de transmissão, poderá ser transferido na declaração final de espólio para a Secretaria da Receita Federal por outro valor, distinto dos dois anteriores.
Caberá ao inventariante apurar se:
(a) haverá ganho de capital;
(b) qual o valor do imposto decorrente do lucro;
(c) se podem os herdeiros se valer de redutores no cálculo do imposto decorrente do ganho de capital; e
(d) qual a data de vencimento do referido imposto.
Nos termos da Lei Federal nº 7.713/1988 (com alterações posteriores), assim como da Instrução Normativa RFB nº 1.585/2015, “considera-se ganho de capital a diferença positiva entre o valor de alienação de bens ou direitos e o respectivo custo de aquisição.”
A tributação que incide sobre o ganho de capital aplica-se também ao espólio no momento em que transfere à meeira e/ou herdeiros bens decorrentes da sucessão causa mortis. A esse respeito, dispõe o art. 3º da IN RFB nº 1.585/2015 que estão sujeitas à apuração de ganho de capital as operações que importem em “transferência a herdeiros e legatários na sucessão causa mortis, a donatários na doação — inclusive em adiantamento de legítima — ou atribuição a ex-cônjuge ou ex-convivente, na dissolução da sociedade conjugal ou união estável, de direito de propriedade de bens e direitos adquiridos por valor superior àquele pelo qual constavam na Declaração de Ajuste Anual do de cujus, do doador, do ex-cônjuge ou ex-convivente que os tenha transferido.”
Desde a Lei nº 13.259/2016, a alíquota do imposto deixou de ser fixa em 15% e passou a ser progressiva, nos seguintes termos:
- 15% sobre a parcela dos ganhos até R$ 5 milhões;
- 17,5% sobre a parcela dos ganhos entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões;
- 20% sobre a parcela dos ganhos entre R$ 10 milhões e R$ 30 milhões;
- 22,5% sobre a parcela dos ganhos que ultrapassarem R$ 30 milhões.
Quanto ao custo de aquisição, a já mencionada IN RFB nº 1.585/2015 o define como o valor expresso em reais constante na Declaração de Ajuste Anual, podendo estar avaliado ou não pelo valor de mercado. A depender da hipótese, os arts. 6º e 7º da referida norma trazem a forma de apuração.
A data de aquisição é outro marco relevante, pois impacta diretamente o cálculo do ganho de capital e a aplicação de eventuais reduções. Nos termos do art. 132 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/2018 – Decreto nº 9.580/2018), considera-se data de aquisição aquela em que celebrado o contrato inicial da operação imobiliária, ainda que por instrumento particular, desde que registrado no Cartório de Registro de Imóveis.
Quanto ao valor de alienação — isto é, de transmissão aos herdeiros —, independentemente da avaliação adotada para efeito da partilha ou do imposto de transmissão, cabe ao inventariante optar, no momento da transferência:
- Se mantiver o valor constante na Declaração de Ajuste Anual, não haverá ganho de capital tributável;
- Se optar por valor superior ao declarado pelo falecido, a diferença positiva será tributável pelas alíquotas acima descritas. Nesta hipótese, o inventariante deverá preencher o Demonstrativo de Apuração do Ganho de Capital (GCAP) e anexá-lo à Declaração Final de Espólio.
Embora possa haver ganho de capital tributável, a aplicação de redutores legais pode reduzir significativamente o imposto. Se o ano de aquisição do imóvel tiver sido até 1969, o percentual de redução será máximo, isto é, 100%. O art. 139 do RIR/2018 autoriza a aplicação de percentuais de redução conforme o ano de aquisição, benefício que se estende também ao espólio. Daí a importância de se compreender corretamente o conceito legal de “data de aquisição”.
Ao adotar procedimento que vise à redução da carga tributária, o contribuinte pratica a denominada elisão fiscal, ou seja, o uso de meios lícitos para minimizar o impacto tributário.
Além disso, a Lei nº 11.196/2005 introduziu outros fatores de redução para a apuração da base de cálculo do imposto sobre ganho de capital.
A decisão de transferir bens imóveis do espólio pelo valor de mercado é uma opção e, muitas vezes, a mais vantajosa, sobretudo quando há intenção de venda subsequente do bem.
Se essa opção não for feita e os bens forem transferidos pelo mesmo valor constante da declaração do inventariado, caberá ao herdeiro apurar o ganho de capital em futura alienação. Já na hipótese de opção pelo valor de mercado, o espólio será o contribuinte-transmitente, e o imposto eventualmente devido deve ser recolhido pelo inventariante em nome do espólio, até a data prevista para a entrega da Declaração Final de Espólio, nos termos da Instrução Normativa RFB nº 1.620/2016.
O não pagamento no prazo sujeitará o contribuinte a multa de 0,33% ao dia, limitada a 20%, além de juros de mora.
Em síntese, na transferência de bens imóveis aos herdeiros, restam duas possibilidades: (i) manter o valor constante da última Declaração de Ajuste Anual do falecido; ou (ii) transferir pelo valor de mercado. Esta segunda alternativa, em regra, mostra-se mais recomendada, pois possibilita ao espólio a utilização de redutores na apuração do ganho de capital. Uma vez não aproveitada essa faculdade legal, não será possível, futuramente, invocar tais benefícios fiscais.
Jacques Malka Y Negri é sócio em Malka Y Negri Advogados
abril de 2013, atualizado em abril de 2016 e em setembro de 2025